"Estás a gostar do espetáculo?"
“Estou," respondeu Niil. "Nunca vi ninguém morrer.”
“Vai à merda."
“Oh, Joel, por favor, não estragues o momento com palavras rudes.”
Eu desejava responder-lhe de forma ainda mais rude mas aquela lava sobrenatural acabou por me cobrir a boca.
“Pronto. Agora está caladinho."
Merde! Eu não podia falar mas tinha de ouvi-la até ao fim.
"Um,” começou Niil. "Dó."
Por fim os meus olhos foram devorados e fui lançado na escuridão.
"Li."
“Tá. Cara de amendoá. Pronto, Joel, já vi sofrimento que chegue. Aqui vai uma dica. Se encontrares alguém que dispare a arma por ti talvez escapes.”
A negritude deu lugar a uma brancura irreal. Porém em vez de perder a consciência continuei acordado. O fim da vida não deveria provocar a suspensão total dos sentidos? A não ser que... Niil continuava a sussurrar-me do outro lado.
“Procura dentro de ti alguém capaz de disparar a arma.”
Senti frio. À minha frente tinha uma cabana. Encontrava-me na orla de um pinhal. Numa clareira coberta de neve. Afinal o paraíso não era tropical mas siberiano. A baixa temperatura impeliu-me na direção da cabana. Ao dar o primeiro passo ouvi uma voz feminina vinda detrás.
“Não podes.”
Não me virei. Havia hostilidade naquela voz. Pressenti que caso me virasse para ver quem falava nunca mais voltaria a ver a Mariana. Porque é que, do leque de pessoas à minha disposição, eu pensei na minha psicóloga? Ela estava longe. Demasiado longe. Mas a cabana estava ao meu alcance. Dei um novo passo.
“Aquela casa pertence-me. Não podes lá entrar,” avisou a voz.
“Então acaba já com isto.”
“Avec plaisir.”
Senti um projétil a atravessar-me violentamente o peito. Caí de seguida na terra gelada e perdi os sentidos.