Eu Possuo O Conhecimento Do Mundo - Parte 4

As minhas relações com a psicóloga Mariana Isabel do Rosário eram do género chegava à hora marcada e lá ia eu à minha vida e ela ia à sua. Por vezes descia comigo mas normalmente ficava no consultório. O meu regresso a casa, que consistia em apanhar o elevador para descer até ao meu apartamento, era passado perdido em pensamentos. Viajando até ao fundo da minha mente, não necessariamente fundo, pois o fluxo de consciência nem sempre é a descer. Neste momento ascendo. Pois as descidas são infinitamente mais serenas. Como se se tratassem de partidas de tétris jogadas pelo melhor jogador. As peças soltas encaixam-se de forma graciosa e desaparecem ao som de uns acordes de Kalinka. Porém as sessões com a psicóloga não eram estes exemplos de perfeição, pelo contrário, eram acima de tudo, inconclusivas. Pelo preço que ficara acordado as respostas às minhas perguntas poderiam ser dadas de forma objetiva. Mas não. As respostas são dadas de forma subliminar e precisamente quando elas já não me são úteis. Semelhante a uma cena entre uma mãe impaciente e um filho curioso.

“Porque é que o céu é azul?”

“Não sei. Deixa-me ver a telenovela.”

Será que a telenovela iria esclarecer-me a dúvida? Era este o resultado que me esperava sempre que tentava arrancar algo de concreto da minha psicóloga. Tão grande foi o efeito desta técnica sobre mim que deixei de procurar respostas de todo. Nem nas consultas nem na vida em geral. Os problemas que se resolvam sozinhos. Uma máxima que surgiu naturalmente ao fim de algum tempo a matutar numa teoria que me acalmasse os nervos, pois estava fora de questão continuar num limbo existencial. E não era para isso que consultava uma psicóloga. Constatei que não dando atenção aos problemas eles magicamente se desvaneciam. Como se a minha dedicação aos contratempos, que até que me provem o contrário surgirão sempre porque sim e não por culpa de fulano, os fortificasse e alimentasse prolongando-os assim indefinidamente no espaço e no tempo, tornando-se eventualmente eles próprios o espaço, o tempo e, às vezes, o ser. Trocando isto por miúdos eu era a causa e simultaneamente sofria as consequências, ou seja, estava metido num imbróglio de todo o tamanho visto que a única causa que defendia era eu próprio. Logo concluí, se tinha problemas com a minha existência, o epicentro do caos seria eu. Então, cavalgando na crista desta epifania, optei por passar a assistir de longe ao desenrolar do espetáculo em vez de estar sempre pronto a aplaudir. Mormente no momento errado. Fi-lo supondo que assim as contradições que me tiravam o sono se dissipariam. E estava certo. O peso do mundo subitamente começou a atenuar-se. Até a minha respiração se tornou mais fácil. Como se tivesse retirado a tampa do ralo da banheira para que a água, que me submergia por completo, pudesse correr para o seu devido lugar. Isto é, para longe de mim. Sinceramente cheguei a pensar que, com este raciocínio, me estava a meter numa grande trampa metafísica mas era impossível resistir às evidências. O sol brilhava finalmente depois de dias, e dias, de tempestade. E se porventura voltava a cair nesses nós cegos da mente estes já não se apresentavam como ossos duros de roer mas apenas como memórias. Só espero que estas recém-conquistadas asas evitem um novo mergulho nesse lago dantesco. É que o reflexo das estrelas, na sua superfície, durante as longas noites de inverno, é por vezes tão tentador... Joel, não vás por aí. Ok. Por fim tive que dar o braço a torcer e admitir que o que não se vê segue por caminhos próprios, e secretos, e não precisa da nossa ajuda para nada. Creio que se nos deixássemos de ativismos de toda a espécie o mundo funcionaria melhor. É que não vale mesmo a pena estarmos sempre a pensar nele. Deixai-o rodar sobre o seu eixo como, e quando, lhe aprouver, pois é bem possível que este mundo se esteja a cagar para nós. Portanto, relax. E além disso os destinos da humanidade não mudam se em vez de comermos queques ao pequeno-almoço passarmos a comer bolos de arroz. Há escolhas que fazemos que não mudam absolutamente nada. Só num romance muito mauzinho é que um queque muda a vida de uma pessoa. Coisa que não invalidará o seu retumbante sucesso como best-seller, porque, secretamente, a maioria das pessoas pensa que pode mudar porque sim. Apenas com a força da vontade. Yes, we can, como se precisássemos de uma sequela de Triumph des Willens. Continuemos a contar histórias da carochinha às multidões e veremos o que acontece. Convenhamos que é bastante motivante pensar se nós formos muito bons como seres humanos eventualmente coisas muito boas nos irão acontecer. Mas vá-se ver o destino da zebra mais bem comportada da savana africana para descobrirmos que a sua virtude irá levá-la a acabar a vida na goela de uma leoa ou na mandíbula de um crocodilo. Concluí assim que a Vontade não é solução para tudo e que a Espera tem uma lógica mais consistente, e até ver mais satisfatória, para as vicissitudes do animal insatisfeito que é o Homem.