Bati à porta do consultório. Normalmente era obrigado a esperar alguns segundos pela psicóloga. Imaginava-a a alisar o vestido, a verificar a fina camada de base, e só depois disso, com passos estudados, a rodear a secretária e a deslocar-se até à porta negra para finalmente pousar a mão na maçaneta metálica. Nunca conseguia ouvir os passos dela pois o sistema de isolamento sonoro funcionava na perfeição com o chão alcatifado.
A psicóloga estava a demorar mais do que o habitual. Será que não ouviu? Ponderei voltar a bater mas a insistência seria ridícula, um ato infantil de baixa categoria, pois não havia hipótese dela não ter ouvido. Se ela ainda não veio abrir é porque está a meio de algum assunto importante. Confirmei as horas, não fosse o caso de eu ter chegado demasiado cedo. O mostrador digital do relógio Casio com calculadora marcava 17:54. O que significava que eu estava adiantado. Antecipei-me. Mas não muito. São coisas que acontecem. E ela não me permitia entrar antes das dezoito. Decidi percorrer o corredor até à entrada e voltar. Para fazer tempo. Ao chegar à porta espreitei pelo visor para ver se estava alguém lá fora. Um gesto absurdo executado com o intuito de forçar o tempo a avançar. O relógio apitou indicando que eram agora dezoito horas. Olhei para a porta do consultório esperando que a porta se abrisse revelando finalmente a figura de Mariana. Mas nada. Fitei o negro da porta e ele fitou-me. Então não me restava outra alternativa senão ser inconveniente. Ao caminhar de volta olhei de soslaio para o interior da sala de espera. E qual não foi o meu espanto ao ver uma garota sentada no sofá a fazer zapping? Donde é que terá vindo esta garota? Ela não estava aqui há instantes. Tenho a certeza. Apresentava o cabelo pintado de azul-celeste, curto, sem chegar ao pescoço, penteado de maneira a envolver-lhe a face. Estava totalmente vestida de cinzento, envergando uma camisola, que era grande demais nos braços, pois as mangas cobriam-lhe as mãos. Calçava umas sapatilhas de basquetebol decoradas com linhas coloridas. Pelo aspeto não devia ter mais de treze anos.
“Desculpa. Olá,” disse sem chegar a entrar na sala.
A rapariga parou de fazer zapping, deixando a televisão num canal de música, e olhou para mim.
“Olá.”
“Vens para alguma consulta?”
“Não.”
“Então...”
“Estou só à espera. A Mariana disse para vir cá ter. Suponho que sejas o Joel.”
“Como é que sabes o meu nome?”
À primeira vista ninguém encontraria nada de estranho nesta miúda. Seria considerada bizarra, apenas, por causa do seu cabelo azul-celeste. Mas analisando atentamente a sua face depressa se notaria que ela não demonstrava qualquer expressão. Dava a sensação que ela envergava uma máscara. Apenas a boca se movia não mexendo os demais músculos da cara.
“A Mariana disse-me que ia dar uma consulta fora do horário a um senhor chamado Joel.”
A sua face era absolutamente inexpressiva. A rapariga estava a olhar para mim mas creio que se estivesse a olhar para uma parede que a expressão seria a mesma. Era como se estivesse a olhar para o meu interior e não especificamente para a minha cara. Mas quando é que ela poderia ter entrado? Era humanamente impossível que ela tivesse entrado no curto espaço de tempo que eu demorei a percorrer o corredor, a bater à porta e a regressar à entrada. Teria reparado. Para ela conseguir realizar tal feito teria que ter vindo colada a mim. E sinceramente não me lembro de ter partilhado o elevador com uma garota com o cabelo azul. Ela podia ter subido no segundo elevador se este não estivesse avariado. Portanto sobravam as escadas. Não. Era impossível. A miúda devia encontrar-se já dentro do apartamento aquando da minha chegada.
“Bom, está bem. Então vou para a minha consulta.”
“Ok. Have fun.”
“Obrigado.”
Definitivamente era um dia sui generis. Cheguei adiantado, a psicóloga não me abria a porta e encontrei uma miúda que mais parecia uma boneca.
Ao chegar à porta do consultório voltei a bater. Nada. Será que ela não está cá? Era possível, e ao mesmo tempo improvável porque tinha a garota à sua espera. Convenhamos que ela podia ter saído e se atrasara. Sim. Podia muito bem ser esse o caso.