There Is A Light That Never Goes Out

Eu resistia em dar ao sonho uma qualidade profética mas era nisso que a minha lógica apostava. Desejava recuar no tempo. Bastava uma semana. Para que pudesse falar-lhe francamente. E dizer-lhe o quê? Mariana, podíamos, não, não devia tratá-la sem rodeios, ela era a minha psicóloga, não se tratava de uma amiga. Vistas bem as coisas nunca a tratei de forma direta. Tinha o cuidado de introduzir um mas, um então, um comentário de circunstância, antes do seu nome. Ao proferir o nome em primeiro lugar sem qualquer método introdutório creio que seria um gesto violento. Provocaria uma alteração demasiado brusca na nossa relação. Também não podia ser leviano ao ponto de combinar um café. Mariana, podíamos combinar um café? Era isto que eu queria dizer-lhe se recuasse uma semana. Contudo, na semana passada tal ideia não me tinha passado pela cabeça. Estava portanto satisfeito com aquele estado uterino. O que significava que se recuasse no tempo acabaria por agir do mesmo modo. Ficaria calado e satisfeito. Que nem uma figura de Buda. Diabos! Era inútil continuar a pensar. Ia levantar-me e voltar para casa. Contudo hesitei. Uma vez que tudo tinha passado dos limites, dos meus limites, não havia motivo algum que me fizesse ir a correr para casa. Encontrava-me sozinho no consultório da minha psicóloga, que não apareceu à hora combinada. Não deixara qualquer recado nem telefonara para avisar que não vinha. Definitivamente algo tinha acontecido. Considerei a possibilidade da psicóloga Mariana Isabel do Rosário ter desaparecido da minha vida. Podia estar morta. O sonho indicava-me que ela precisava de ajuda. Não lhe dei atenção e agora encontrava-me preso no seu consultório. Eu não estava preso. Fora apenas um sonho. A minha mente estava a jogar ao telefone avariado. Estava a entender tudo ao contrário. Ok. Rise and shine. Estava no momento de cometer crimes e vasculhar as gavetas da minha ex-psicóloga. Libertei os olhos da minha escuridão e preparei-me para enfrentar outra escuridão. Mas imaginem qual não foi o meu espanto ao descobrir a rapariga de cabelo azul-celeste sentada à secretária, cujo candeeiro emitia a única fonte de luz do consultório. Claro, tinha-me esquecido. Naquele dia não era a única pessoa à espera da Mariana.